O poder do caos

O poder do caos

Após o espetáculo, centenas de pessoas na plateia começam a bater palmas aleatoriamente num ruído caótico. Em poucos segundos as mãos se juntam por si só em uma única pulsação bem nítida – mas não pré-definida por alguém. Tal é o milagre da auto-organização, processo que ocorre em diversos fenômenos, como na revoada de pássaros em migração (swarming) e no próprio funcionamento do corpo humano. Agora imagine alguém que não confie no caos e tente orquestrar a sincronização impondo um andamento antes do ritmo emergente: “Pessoal, batam palma igual eu, assim ó, por favor”.

Muitas vezes agimos exatamente assim, tentando reduzir o caos em busca de uma ordem nada espontânea. No trabalho despejamos processos no novato em vez de esperar um pouco para deixar o grupo inteiro se reorganizar; numa conversa logo respondemos sem dar espaço à confusão e ao silêncio desconfortável; no sexo partimos para o que já sabemos fazer sem demorar um pouco mais naquele momento de não se encaixar direito; em brigas queremos resolver tudo com promessas e decisões urgentes.

Quanto tempo você consegue presenciar algo não resolvido? Quantos dias você consegue deixar seu parceiro interpretando tudo errado? Ou logo tenta controlar a situação com medo de perder o outro? Por que fechar a possibilidade da relação se rearranjar em bases mais profundas e estáveis que nunca descobriria sozinho?

Se lutamos contra o caos, se não viramos seus cúmplices, assim que algo desanda imediatamente retomamos os mesmos velhos hábitos que algum dia deram certo. Sem ficar algum tempo fora dos trilhos, quase nunca descobrimos outros percursos. Andamos na direção do nosso rastro, não dos horizontes à frente. Nossas mudanças são sempre lentas e gradativas, por esforço, disciplina, repressão. Recontamos certezas diariamente, nos orgulhando de criar uma narrativa bem coerente. E depois sentimos falta de imprevisibilidade e de transformações não-causais, descontínuas, por saltos, sem avisos, num estalar de dedos.

Quanto mais caos podemos aguentar, mais criativas brotam as soluções. Caos bom é aquele que nos impede de seguir do jeito que vínhamos seguindo, não aceita nada menos que mudança. Ser chacoalhado leva a auto-organizações surpreendentes, às vezes muito melhores do que poderíamos ter previsto ou conduzido. Mas é preciso relaxar um pouco, cooperar, esperar, soltar o impulso por ordem e resolução, confiar, deixar acontecer, mesmo sabendo que talvez seja doloroso. A vida pode ser bem mais ousada que nossos planejamentos ambiciosos.

(Escrito para a revista Vida Simples com base no que aprendi com Reinhard Flatischler, saindo e entrando do ritmo, em práticas de TaKeTiNa. Se quiser tal experiência, deixo abaixo um convite.)

TaKeTiNa: o poder transformador do ritmo

Poucos processos são tão poderosos para nos ajudar a relaxar em meio ao caos — e descobrir sua inteligência. Ainda há vagas para o próximo workshop: aqui estão todas as informações →