Estamos aqui para sempre

Estamos aqui para sempre

Logo no começo de Infinite life, Robert Thurman dá a mesma resposta do lama Alan Wallace ao suposto ceticismo corajoso de quem acha que acreditar em vidas futuras é uma saída fácil, consoladora, uma mera crença para não lidarmos com a dura realidade de que tudo acaba na hora da morte.

Na verdade, o que é fácil, o que é consolador, o que é uma mera crença que não lida com a dura realidade é justamente achar que tudo acaba, que todos os nossos problemas estarão resolvidos na hora da morte. Bob Thurman diz que é um alívio pensar que um dia tudo vai enfim acabar, que a consciência é só um surto temporário de eletricidade, como o de uma lâmpada velha.

Num certo sentido estamos sempre tentando escapar da vida e da realidade. O materialismo niilista ou o romantismo eternalista são crenças perfeitas para nos aliviar: vai acabar em nada ou vai acabar em um paraíso eterno descolado da causalidade que opera o tempo todo na vida. Não tem coragem alguma nesses dois extremos.

Ele diz que nós temos muito medo da mera possibilidade de não haver saída ou fim. Medo de seguirmos, de talvez renascermos sabe-se lá onde e em qual forma. E principalmente: imagine se todas as nossas ações continuarem reverberando infinitamente, como acontece nessa vida? Que inferno… Isso significa que em algum momento teremos de começar a realmente fazer ações positivas e realmente transformar todas as aflições mentais, caso contrário vamos continuar sofrendo sem nada que consiga colocar um ponto final definitivo, nem mesmo o suicídio.

Um dos exemplos que Thurman usa: todo mundo já dormiu com algum problema difícil, cansado de tentar resolvê-lo. No dia seguinte, não lembramos de imediato, mas do nada ele surge de novo: “Ugh… it’s still there.” Será mais ou menos assim depois da morte.

No Darma, é comum nos confundirmos entre os ensinamentos que focam na contemplação da morte e os ensinamentos que focam na contemplação da continuidade. Por que os mestres uma hora dizem que vamos realmente morrer e outra hora dizem que há vidas futuras e passadas? É claro que o ensinamento mais definitivo diz respeito a reconhecer aquilo que nem nasce nem morre, mas esses dois ensinamentos provisórios (da raridade da vida humana preciosa e da impermanência e morte; junto com a continuidade da consciência) parecem contraditórios.

A urgência de praticarmos agora não é porque tudo acabará na hora da morte, mas justamente porque não acabará! ;-) Vamos seguir, mas sem liberdade, de acordo com impulsos e condicionamentos, e provavelmente sem o apoio dos métodos de lucidez, estabilidade, compaixão para lidar com qualquer que seja a realidade que vai surgir. São ensinamentos complementares.

Alan Wallace diz que é perfeitamente possível testar a hipótese da continuidade da consciência, mas que até hoje não houve interesse suficiente para montar tal pesquisa. Em diversos retiros ele explicou detalhadamente como visualiza tal pesquisa sendo feita.

De qualquer modo, para manter o ceticismo e a abertura (há ou não vidas passadas e futuras?), Bob Thurman lembra Pascal: se não houver e agirmos como se houvesse, está tudo certo. Mas se houver e agirmos como se não houvesse, estaremos lascados! Então em ambos os casos, é melhor agir com a visão de que estamos aqui para sempre e não há saída da realidade, nem interrupção da mente. É preciso muita coragem para deixar essa mera possibilidade se assentar em nossa mente… Isso relativiza tudo.

Aproveito para deixar um dos ensinamentos curtos que mais escancaram essa continuidade. Gravamos durante um retiro de 9 dias só focado em shamatha.

“O que o Buda ofereceu? A visão de que nós não estamos somente nessa única vida, o que é de uma enorme importância: ver que nossa existência não está apenas contida entre vida e morte, mas que estamos aqui para ficar. Nós estamos aqui para ficar. Para sempre.

Como deveríamos ficar, pra sempre, na realidade? Deveríamos ficar para sempre em sofrimento e com as causas do sofrimento? Estamos contentes com isso? Ou deveríamos tirar máximo proveito dos ensinamentos budistas? Nós estamos aqui para sempre. Por que não nos tornamos livres para sempre, iluminados para sempre?”

Alan Wallace

Que livro maravilhoso é Infinite life!