Por que nosso mundo tem céu?

Por que nosso mundo tem céu?
Cena de "Waking Life"(Richard Linklater, 2001)

Colocamos no fundo da tela do computador, tiramos fotos pela janela do avião, subimos a montanha para encontrá-lo, estudamos suas diferentes aparências e elementos… Somos atraídos, fascinados por essa aparência misteriosa que chamamos de céu.

Nosso mundo tem céu porque nossa mente tem céu. Se nossa mente não fosse assim, veríamos apenas lugares fechados, sem nada acima, sem saída, sem amplidão alguma. O fato de surgir um céu em nossa experiência de realidade não é apenas um fenômeno físico.

O céu é um constante lembrete de algumas qualidades da vida, da realidade e de nossa mente:

  • generosidade e equanimidade (o céu se oferece a todos sem distinção),
  • abertura e espacialidade,
  • acolhimento (o céu recebe qualquer coisa),
  • amplidão e vastidão sem fim,
  • indestrutibilidade (nada que é colocado mata o espaço onde se coloca),
  • luminosidade,
  • paciência, paz, imperturbabilidade (o céu não se desespera nas tragédias, não gargalha nas vitórias)
  • liberdade,
  • eternidade (no sentido espinosano de além do tempo, não de tempo infinito ou imortalidade),
  • continuidade (o céu é permanente, constante, sempre segue),
  • transcendência (o céu sempre está acima de tudo),
  • não-dualidade e coemergência (o que chamamos de céu não é um coisa lá fora, auto-existente, mas surge inseparável de nossa mente),
  • mágica e ilusão (o céu não está em lugar algum e por isso consegue estar em todos os lugares),
  • beleza,
  • nitidez (o céu é em alta resolução),
  • profundidade (como a de um oceano, outra aparência que nos atrai)…

Para mim, a coisa é ainda mais assustadora: não seríamos capazes de reconhecer e nos fascinar com as qualidades do céu, se nós mesmos não tivéssemos isso, se nós mesmos não fôssemos isso. A aparência do céu não é lembrete algum. O céu é exatamente o que somos.

Como que num sonho — em que cada uma de nossas realidades se manifesta em elementos, objetos, seres e situações — vivemos com a constante presença do céu. Nosso corpo já mudou, nossa casa, nossas relações, trabalhos, objetos, tudo já mudou sob o mesmo céu. Ora, se é pra se identificar com algo, ignore a imagem que aparece no espelho e comece a se identificar um pouco mais com o céu.

Isso aí em cima sou eu. Isso é você.

(E, por favor, por favor não encare isso como um texto metafórico.)

Cena de “Waking Life” (Richard Linklater, 2001)
  1. Muito bom! Agora há pouco encontrei uma anotação em total harmonia com o texto. Não consegui confirmar, mas parece ser uma fala do Lama Samten:

    “Existe a meditação de olhar pro céu e ‘não ver nada’. O espaço que vemos acima de nós brota como reflexo do nosso espaço interno. Tudo que a gente localiza são artificialidades, formas que refletem dimensões internas.”

Comments are closed.